Quando o Diagnóstico Apaga o Sujeito
- Ingrid Cariello
- 18 de jun.
- 3 min de leitura
Quando o Diagnóstico Apaga o Sujeito: uma reflexão psicanalítica sobre a clínica atual
"Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?"Álvaro de Campos
Vivemos em um tempo de aceleração. A globalização, os avanços tecnológicos e a onipresença das redes digitais transformaram não apenas nossas rotinas, mas também a forma como experienciamos o próprio mal-estar. Neste cenário, a clínica contemporânea se depara com uma inquietação: o esvaziamento da singularidade na compreensão do sofrimento psíquico.
Dores são rapidamente nomeadas, diagnósticos se multiplicam, medicamentos são prescritos com uma facilidade quase automática. A depressão, a ansiedade, o burnout, o transtorno de personalidade borderline, o TDAH em adultos: as nomenclaturas proliferam, e com elas o risco de uma homogeneização do sofrimento. O que poderia ser escutado como expressão única de uma história, de um percurso de vida, é muitas vezes capturado por categorias diagnósticas que prometem respostas rápidas e soluções generalizadas.
Rossano Cabral Lima descreve esse nosso tempo como o da "provisoriedade permanente", onde "o movimento contínuo torna-se uma exigência, mas agora sem indicadores estáveis que apontem, no tempo, a direção a seguir". O sujeito contemporâneo, instável e descentrado, muitas vezes não encontra mais espaço — nem tempo — para se demorar em seu sofrimento, para atravessar lutos, para elaborar suas perdas.
A Psicanálise como escuta da singularidade
Neste contexto, a psicanálise se apresenta não como um saber que enquadra, mas como uma prática que sustenta a escuta do que escapa à classificação. O sujeito não é apenas um portador de sintomas, mas alguém implicado em sua própria história, seus afetos, seus laços e seus impasses.
Na contramão das soluções padronizadas, a psicanálise não oferece um nome para o sofrimento, mas uma possibilidade de simbolizá-lo. Como diz Gilberto Safra, hoje o adoecimento muitas vezes não se refere apenas ao desejo e ao outro, mas à vivência de futilidade, de falta de sentido na vida, de vazio existencial, de morte em vida. Não há um sintoma a ser erradicado, mas um mal-estar a ser escutado em sua particularidade.
O risco da captura diagnóstica
A captura diagnóstica cria um paradoxo: quanto mais proliferam os manuais e as classificações, mais o sofrimento parece escapar. A medicalização da vida propõe atalhos que, embora aliviem momentaneamente, não tocam o cerne da questão. O tempo de escuta, essencial à psicanálise, é frequentemente substituído por prescrições que oferecem alívio, mas não sentido.
É preciso perguntar: todos os sujeitos que hoje recebem medicações apresentam de fato uma etiologia biológica individual? Ou estamos, muitas vezes, diante de um sofrimento social que é medicalizado porque falta tempo, espaço e disposição para ser elaborado?
Mal-estar e tempo: a clínica da escuta ativa
Se o mal-estar hoje se traduz muitas vezes por uma ausência de sentido, o desafio da clínica psicanalítica passa a ser o de sustentar um espaço onde o sujeito possa criar sentido. Não se trata de oferecer respostas prontas, mas de construir, junto ao outro, novos modos de se posicionar frente à vida.
Como sustentar o sofrimento quando o mundo exige produtividade? Como legitimar o descanso num tempo em que o ócio é sinônimo de culpa? Como acompanhar o sujeito na travessia de seus vazios, quando tudo ao redor pede anestesia imediata?
O relógio atrasado de Galeano
Talvez a cena narrada por Galeano nos ajude a pensar: um menino pobre ostenta orgulhoso um relógio desenhado no pulso por um tio distante. O relógio, embora fictício, "atrasa um pouco". A metáfora é potente: mesmo a ficção de um tempo próprio já não consegue acompanhar o ritmo da exigência social. O tempo do sujeito não coincide com o tempo da cultura.
Na clínica psicanalítica, trata-se justamente de resgatar esse tempo próprio: o tempo da elaboração, da construção subjetiva, da travessia das dores e das perdas. É um tempo que, no limite, sempre "atrasará" em relação às pressões externas — e é precisamente aí que mora sua potência.
Por uma clínica do encontro
A psicanálise, portanto, não vem para anular os diagnósticos, tampouco se opõe ao saber médico quando este se faz necessário. Mas ela nos lembra de algo que muitas vezes se perde: o sujeito não se reduz à categoria diagnóstica que carrega.
Mais do que nomear, é preciso escutar. Mais do que prescrever, é necessário sustentar o não-saber que permita o sujeito construir sua própria resposta. Num tempo de classificações rápidas e de identidades líquidas, a clínica psicanalítica resiste como espaço ético de singularização.
Como diria o pequeno menino de Galeano: mesmo o relógio desenhado funciona — ainda que atrase um pouco
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